sexta-feira, 25 de junho de 2010

Rebelião das Palavras



Rebelião das Palavras

Retirado do Periódico da Ordem do Graal na Terra – ano 10 – nr. 26

Nadamos em uma grande sopa de letras e pescamos as palavras que nos interessam. Às vezes buscamos sem sucesso um minuto mudo, um minuto de silêncio para revalorizar cada fala. Mas não basta controlar as palavras que falamos, é necessário selecionar também as que escutamos. Entre palavras que constroem e outras que ferem, cada palavra falada ou escutada fica registrada e passa a habitar o nosso mundo. Mas as palavras não são reféns. Elas contêm força e, quando pronunciadas, constroem exatamente aquele universo por nós escolhido. Cientes disso, as palavras andam um pouco aborrecidas com o desleixo com que são proferidas e querem expressar seu protesto.


Ai, palavras, ai, palavras. As pequenas e as grandes, as nobres e as malvadas. Mesmo com toda sua diversidade, as palavras se unem em um gesto e pedem um espaço para soltar sua voz. A voz é de reivindicação, querem manifestar seu desgosto e mostrar ao falante com quantas e quais palavras se faz um protesto.

Comecemos com as palavras de reclamação, que falam mais alto. As palavras de reclamação estão reivindicando férias. Elas têm se sentido escravas da humanidade, pois são requisitadas o tempo inteiro e usadas indiscriminadamente contra tudo e todos. Alastram-se feito uma pandemia e pedem urgentemente uma trégua para descanso e resguardo.

As palavras desanimadas querem ser deixadas em paz, quietas no seu canto, sem perturbação. Neste momento estão fazendo uma combinação com as palavras felizes e animadas, que aguardam saltitantes seu momento de serem ditas!

A palavra silêncio está em extinção e os poucos exemplares que restam da espécie exigem ser respeitados e homenageados com alguns minutos mudos. As palavras-fofoca, por sua vez, são as que têm provocado maior barulho e confusão. Elas têm feito os humanos brigarem e poluído a imagem de muita gente. Isso causa o surgimento de uma nuvem abafada e cinza de letras desordenadas e contagiosas. As palavras proféticas advertem que isso causará uma chuva ácida devastadora.

As palavras destrutivas, as tristes e, sobretudo, as inúteis estão exaustas de tanto serem pronunciadas. O Ministério da Poluição Sonora adverte: é imperativo que haja uma redução significativa de emissões desse gênero. Falar demais faz mal à saúde. Os ouvidos humanos também merecem respeito e o que é falado é formado.


Palavras generosas e bonitas desejam um canteiro, Sol e água para poderem nascer com mais força, curar feridas e promover harmonia. As palavras-elogio também esperam ansiosamente por serem proferidas, pois querem exercitar seu potencial de incentivo e motivação. Olham com tristeza as palavras-bajulação tomarem seu lugar. A palavra amor avisa, a quem quiser ouvir, que detesta ser confundida com moleza ou dó e que quer ser difundida nas multidões e não apenas ser sussurrada a dois.


Conceitos e palavras comuns, veiculados na mídia e repetidos pela multidão, estão com a autoestima baixa. Cansaram-se de ser repetidos e aceitos sem critério. Lançam inclusive um apelo: quem não viu com os próprios olhos, favor não repetir sem analisar! Já as palavras originais e reflexivas estão carentes e pedem alguma atenção, pois só nascem da introspecção e não têm conseguido prosperar a contento. Ninguém lhes dá atenção.

Todas as palavras exigem também ser sentidas porque não servem apenas para serem faladas. A linguagem precisa combinar com o sentimento. Quando a palavra dita não traduz a palavra pensada e sentida, tem início uma briga e um conflito perturbador de significados. As palavras andam indignadas com essa confusão!


Em conjunto, elas também explicam que não são seres solitários e autônomos, mas que têm sempre uma letra presa na boca de quem as disse. Por isso, elas, as palavras, reivindicam um uso mais cauteloso e um pouco de reflexão antes de serem pronunciadas, porque palavras são e formam! Elas têm vida e andam cabisbaixas pelo pouco caso com que têm sido tratadas. Ai, palavras, ai, palavras, neste mundo das letras tudo se forma e também se transforma. Depende do que é falado!


Ai, Palavras!

Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Ai, palavras, ai palavras,
sois o vento, ides no vento,
e, em tão rápida existência,
tudo se forma e transforma!
Sois de vento, ides no vento,
e quedais, com sorte nova!
Ai, palavras, ai palavras,
que estranha potência, a vossa!
Todo o sentido da vida
principia à vossa porta;
o mel do amor cristaliza
seu perfume em vossa rosa;
sois o sonho e sois audácia,
calúnia, fúria, derrota…
A liberdade das almas,
ai! com letras se elabora…
E dos venenos humanos
sois a mais fina retorta:
frágil como o vidro
e mais que o são poderosa!
Reis, impérios, povos, tempos,
pelo vosso impulso rodam…

Cecília Meireles


"Palavras"

Perco-me quando escrevo...
Me perderia de qualquer forma.
Afinal, tudo é perda...
E calar é muito mais...
Escrevo porque preciso.
Escrever é como droga.
Vício do qual não me abstenho,

e no qual vivo.

É como veneno necessário.
Se compõe de fragmentos do sentimento.
Nos recantos dos sonhos é colhido.

Das margens bucólicas dos rios da alma.
Essas águas deixo escorrer por meus dedos.
Não quero o silêncio...
Por isso...

Que meu coração jamais se cale.
E o que eu não ouso dizer...

Isso ele fale.
E que o faça claramente.
Nunca com ambigüidade...
E sejam suas palavras, como rio
Que incógnito nasceu,
Cuja maré alta transforma em foz.

Glória Salles


sábado, 19 de junho de 2010

EU APRENDI

EU APRENDI...

... que eu não posso exigir o amor de ninguém, posso
apenas dar boas razões para que gostem de mim e ter
paciência, para que a vida faça o resto. Que não importa
o quanto certas coisas são importantes para mim, tem
gente que não dá a mínima e eu jamais conseguirei
convencê-las. Que posso passar anos construindo uma
verdade e destruí-la em apenas alguns segundos.



EU APRENDI...
... que posso usar meu charme por apenas 15 minutos;
depois disso, preciso saber do que estou falando. Que
posso fazer algo em um minuto e ter que responder por
isso o resto da vida. Que por mais que você corte um pão
em fatias, esse pão continua tendo duas faces, e o mesmo
vale para tudo o que cortamos em nosso caminho.



EU APRENDI...
... que vai demorar muito para me transformar na pessoa
que quero ser, e devo ter paciência. Que posso ir além
dos limites que eu próprio coloquei. Que eu preciso
escolher entre controlar meus pensamentos ou ser
controlado por eles.



EU APRENDI...
... que os heróis são pessoas que fazem o que acham que
devem fazer naquele momento, independentemente do medo
que sentem. Que perdoar exige muita prática.
Que há muita gente que gosta de mim, mas não consegue
expressar isso.



EU APRENDI...
... que nos momentos mais difíceis, a ajuda veio
justamente daquela pessoa que eu achava que iria tentar
piorar a minha vida. Que eu posso ficar furioso, tenho o
direito de me irritar, mas não tenho o direito de ser
cruel. Que jamais posso dizer a uma criança que seus
sonhos são impossíveis; será uma tragédia para o mundo
se eu conseguir convencê-la disso.


EU APRENDI...
... que meu melhor amigo vai me machucar de vez em
quando, que eu tenho que me acostumar com isso. Que não
é o bastante ser perdoado pelos outros, eu preciso me
perdoar primeiro. Que, não importa o quanto meu coração
esteja sofrendo, o mundo não vai parar por causa disso.



EU APRENDI...
... que as circunstâncias de minha infância são
responsáveis pelo que eu sou, mas não pelas minhas
escolhas que eu fiz quando adulto. Que numa briga, eu
preciso escolher de que lado estou, mesmo quando não
quero me envolver. Que, quando duas pessoas discutem,
não significa que elas se odeiem; e quando duas pessoas
não discutem não significa que elas se amem. Que por
mais que eu queira proteger os meus filhos, eles vão se
machucar e eu também serei machucado, isso faz parte da
vida. Que minha existência pode mudar para sempre em
poucas horas, por causa de gente que eu nunca vi antes.
Que diplomas na parede não me fazem mais respeitável ou
mais sábio.



EU APRENDI...
... que as palavras de amor perdem o sentido, quando
usadas sem critério. Que certas pessoas vão embora de
qualquer maneira. Que é difícil traçar uma linha entre
ser gentil, não ferir as pessoas, e saber lutar pelas
coisas em que acredito.



EU APRENDI...
... que amigos não são para guardá-los no peito, e sim
para mostrá-los que são seus amigos.



VIVA BEM! VIVA O MELHOR POSSÍVEL!!!

domingo, 23 de maio de 2010

Inibidores de apetite

Inibidores de apetite

Os perigosos efeitos colaterais dos inibidores de apetite

A morte da mãe há quatro anos deixou Emília Damico, na época com 23 anos, deprimida. Ela teve medo de compensar o luto devorando biscoitos, salgadinhos e tudo o mais que visse pela frente, como fazia em situações de angústia. Uma amiga lhe chamou a atenção, contando a história de outra colega, que engordara 10 quilos depois de uma perda semelhante. A revelação deixou Emília mais apreensiva: além de enfrentar a tristeza, ela temia engordar além da conta. A coordenadora de suporte de Tecnologia da Informação, natural do município de Santo André (SP), então com 75 quilos para seu 1,75 m de altura – o que significava seis quilos acima do peso ideal –, decidiu procurar um endocrinologista, indicado por uma conhecida que fazia dieta à base de remédios para emagrecer.

“Foi uma conversa objetiva. Eu disse que não estava contente com meu peso. Fiz um exame de *bioimpedância, que mede o Índice de Massa Corporal (*IMC) na própria clínica, e saí de lá com duas receitas: uma fórmula com *Anfepramona, para ser tomada duas vezes ao dia, e outra com substâncias como laxantes, calmantes e diuréticos, entre outras”, conta Emília.


Efeitos colaterais dos inibidores de apetite

Logo na primeira semana, surgiram efeitos colaterais como tontura, escurecimento da vista, taquicardia, falta de ar e, no caso de Emília, uma curiosa ojeriza a doces. “Não conseguia chupar uma bala. Também não tinha vontade de comer. Passava 14 horas sem ingerir nada. Era um sacrifício engolir uma colher de arroz e uma de feijão na hora do almoço”, recorda a tecnóloga que, mesmo com os sintomas incômodos, emagreceu nove quilos em 15 dias.

No 20º dia do tratamento, apesar de contente com a silhueta, o desconforto das reações, somado a fortes dores no estômago, levou Emília a reduzir, por conta própria, a dosagem da medicação pela metade. “Tomava as cápsulas em dias alternados. Nos dias sem remédio, sofria com medo de sentir fome, à medida que se aproximava a hora das refeições”, lembra ela.

A estratégia durou 10 dias, até que Emília abandonou as pílulas para emagrecer. Mas a privação durou pouco – nos dois meses seguintes ela voltou a engordar e recuperou nove, dos 15 quilos perdidos. Temerosa de retomar os 75 quilos iniciais, Emília não teve dúvidas: retornou ao médico e obteve nova prescrição de Anfepramona.


O Brasil está acima do peso ideal



Assim como Emília, 43,3% da população brasileira adulta está acima do peso ideal, e 13% deste total sofre de obesidade, segundo levantamento do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde. Na ânsia de perder peso, muitas pessoas recorrem a consultórios médicos em busca de dietas, e nem sempre saem deles orientados a tentar mudar o estilo de vida por meio da reeducação alimentar e da prática de atividade física regular.

Pelo quarto ano consecutivo, o Brasil desponta na lista de países que mais consomem estimulantes, principalmente anorexígenos – moderadores ou inibidores de apetite, compostos em sua maioria pelos derivados de anfetamina Dietilpropiona (ou Anfepramona), Femproporex e Mazindol. De acordo com o relatório de 2008 da Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), órgão ligado à ONU, Argentina, Brasil e Estados Unidos ocupam, respectivamente, as três primeiras posições da lista, e juntos abocanham 78% do consumo mundial de estimulantes.

“Anorexígenos como a Anfepramona e o Femproporex são drogas psicotrópicas de venda legal e controlada. O problema não é a falta de prescrição, e sim a indicação para fins estéticos. O consumo é maior entre pessoas que não têm perfil para usá-las, do que por aqueles que sofrem de obesidade”, resume a psicofarmacóloga Solange Nappo, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Inibidores de apetite derivados de anfetamina atuam no sistema nervoso central reduzindo a sensação de fome, mas provocam uma série de efeitos colaterais, além de causarem dependência. Há ainda outros anorexígenos, como a Sibutramina e o Orlistate, com composição e mecanismos diferentes, sem potencial de dependência. Nos últimos cinco anos, o faturamento da indústria farmacêutica no Brasil quase dobrou com a venda de anorexígenos: saltou de R$ 198,9 milhões (5,8 milhões de unidades vendidas) em 2004 para R$ 348 milhões (9,6 milhões de unidades) no ano passado, segundo dados do IMS Health (empresa de consultoria internacional especializada na área farmacêutica).

“É um negócio muito lucrativo. Mas excesso de peso não significa obesidade. A população é induzida por uma cultura da magreza, mas a mulher brasileira não é anglo-saxã: nosso patrimônio genético é opulento por causa da herança portuguesa, africana e indígena. E como é mais difícil mudar a imagem corporal apenas com dieta, apela-se para as drogas. Medicamento não foi feito para uso estético”, adverte o Dr. Elisaldo Carlini, diretor do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), cujo Levantamento Domiciliar Nacional revela que duplicou a procura feminina por anorexígenos entre 2001 e 2005.

Apesar de indicados para o tratamento de pessoas realmente obesas – IMC acima de 30 ou 40 – ou para quem tem complicações relacionadas (diabete, hipertensão arterial, colesterol alto, problemas articulares) ou quem já tentou sem sucesso emagrecer pela reeducação alimentar, os anorexígenos vêm sendo prescritos para quem está com apenas cinco ou oito quilos a mais. Uma pesquisa do Cebrid atesta que 92% dos consumidores de anfetaminas são mulheres, e que 60% das que fazem uso apresentam IMC abaixo de 30.

“O uso abusivo de anorexígenos ocorre por uma série de fatores. Por um lado, há pacientes que não querem ter trabalho para emagrecer e acham que a solução está em um remédio milagroso; por outro, existem médicos que não querem perder tempo e saem prescrevendo inibidores. A consulta para quem quer emagrecer é demorada: ouvimos a história do paciente para descobrir como é sua rotina. É necessária uma mudança comportamental. O remédio apenas não resolve”, explica o endocrinologista Henrique Lacerda Suplicy, professor da Universidade Federal do Paraná.

É longa a lista de efeitos colaterais provocados pelo uso indevido de anorexígenos: insônia, irritabilidade, agitação, dores de cabeça, taquicardia, aumento da pressão arterial, prisão de ventre, tremores, perda da libido, depressão, alucinações e surtos psicóticos, entre outros. Isso sem falar no inevitável efeito rebote (ou sanfona)– o corpo readquire os quilos perdidos e mais alguns extras – e no risco de ocorrer dependência física e psicológica.


Inibidores de apetite podem engordar

“Fazer uso de inibidores sem necessidade é receita certa para engordar. O metabolismo fica bagunçado porque a pessoa não sente fome e quase não se alimenta. O corpo entra em sistema de alarme e fica econômico no gasto energético. Quando o remédio é suspenso, come-se exageradamente, pois o organismo tende a compensar a escassez”, explica a doutora Fernanda Scagliusi, professora do Curso de Nutrição da Universidade Federal de São Paulo, campus Baixada Santista.

Uma descoberta assustadora obrigou Emília a suspender a medicação: durante um exame de rotina na empresa, no fim de 2005, foi identificado um caroço na tireóide. “Fiquei apavorada com a possibilidade de ser maligno. Parei imediatamente com os remédios, que tinham, entre as substâncias, um hormônio tireoidiano. Fiz uma ultrassonografia e, por sorte, era um tumor benigno”, diz, aliviada.

Alguns cuidados poderiam evitar sustos como o de Emília. Para a psicanalista Silvia Brasiliano, o fato de a fórmula ser individualizada faz o paciente achar que o remédio foi feito sob medida para ele. “O paciente também acredita que, por ser uma fórmula, trata-se de um medicamento natural. E o médico não adverte para o fato de o remédio poder causar dependência, além de não mencionar o efeito rebote (ou sanfona). É comum a pessoa perder 10 quilos em três meses e ganhar 12 quilos nos dois meses seguintes”, explica a coordenadora do Programa de Atenção à Mulher Dependente Química (Promud), do Instituto de Psiquiatria da USP.

Embora a ANVISA proíba, desde 1998, a prescrição de fórmulas de anorexígenos com associações medicamentosas – ansiolíticos, diuréticos, hormônios ou extratos hormonais e laxantes, entre outros –, as receitas com tais combinações continuam circulando. “A ANVISA se compromete criando as leis, mas não há controle. O que ocorre é que são prescritas receitas separadas: uma destina-se às cápsulas com o anorexígeno, e a outra às demais substâncias. Eu já vi de tudo – desde receitas enviadas pelos correios até prescrições com nomes de pessoas diferentes”, diz o professor Suplicy.

A partir de janeiro de 2008 entraram em vigor medidas mais rígidas estabelecidas pela ANVISA para diminuir a prescrição e o consumo de anorexígenos no país: novo receituário (B2, de cor azul); a validade máxima da prescrição passou a ser de 30 dias a partir da emissão; e as doses diárias recomendadas foram fixadas para substâncias como Femproporex (50 mg/dia), Fentermina (60 mg/dia), Anfepramona (120 mg/dia) e Mazindol (3 mg/dia).

Além disso, começou a funcionar o Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados (SNGPC) nas farmácias. Em todo o país, existem cerca de 70 mil farmácias e drogarias particulares – um terço delas está fora do controle on-line graças a uma decisão judicial – e há também 7.800 estabelecimentos de manipulação, cuja participação no SNGPC é voluntária. Apesar de ainda não ter sido concluído o balanço do primeiro ano de implementação do SNGPC, a ANVISA assegura que já existem vários indícios de redução no consumo dos anorexígenos..


Como perder peso com saúde

*Nova Pirâmide Alimentar

O endocrinologista Márcio Mancini, presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), dá algumas orientações para quem deseja perder peso com a ajuda de um profissional de saúde.

“Durante a consulta, o médico precisa conversar seriamente sobre a mudança de comportamento, a prática de *atividade física regular e a *reeducação alimentar. Isso é a base do tratamento, mas os remédios podem ser úteis desde que usados com responsabilidade e critério”, diz Mancini.

Outra alternativa segura para quem está acima do peso é procurar, antes de tudo, a orientação de um nutricionista. “Este profissional identifica as causas da alimentação inadequada como, por exemplo, problemas emocionais. O risco de se começar a fazer dietas com inibidores e perder a autoestima é grande: a pessoa não se sente mais capaz de tomar conta do próprio corpo e fazer as mudanças no estilo de vida. É como parar de fumar”, previne a professora Scagliusi.

As experiências de Emília com inibidores não a impediram de se iludir novamente com o sonho de emagrecer sem esforço: em 2006, ela conseguiu uma prescrição de Femproporex e, como seu corpo não reagiu, Emília apelou para as cápsulas de Sibutramina. “Nada fazia efeito. Foi o golpe de misericórdia. Parei de vez com as dietas à base de remédios”, desabafa Emília, que se casou em 2007.

Mas a felicidade do matrimônio se refletiu na balança: em novembro de 2008, ela chegou aos 77 quilos. Emagrecer virou de novo uma preocupação. Desta vez Emília decidiu investir no plano de reeducação alimentar proposto por uma nutricionista.

“Consegui criar novos hábitos. Passei a comer em horários certos, a levar frutas para o trabalho, beber bastante água e praticar exercícios. Quando sinto vontade de comer uma coxinha, por exemplo, não me privo. A diferença é que não como várias, nem todo dia”, explica Emília, que chegou a ter 10 quilos a menos em março deste ano.


Só Pra Constar:

*bioimpedância: É um método muito utilizado em academias, clubes e consultórios para avaliar a composição corporal de gordura. A bioimpedância utiliza um aparelho que consegue medir a gordura do corpo através de uma corrente elétrica de baixa intensidade, que é imperceptível.

Quanto maior a quantidade de água contida em um órgão, mais facilmente a corrente irá passar.

Os órgãos que têm mais gordura possuem menos água. Por isso, esses órgãos têm uma resistência maior, fazendo com que a corrente elétrica seja mais lenta. Dessa maneira é feito o registro da corrente elétrica de acordo com a quantidade de água e de gordura presentes no corpo.

Para fazer essa avaliação, dois eletrodos são colocados nos braços e dois nos pés. Alguns cuidados devem ser tomados, para que o resultado seja perfeito. Assim, a pessoa avaliada não deve consumir alimentos e líquidos – especialmente bebidas alcoólicas e café – algumas horas antes do teste, nem mesmo realizar atividade física.

Além disso, o avaliado não pode tomar diuréticos nos 7 dias antecedentes e deve urinar e permanecer em repouso alguns minutos antes da avaliação, para não interferir nos resultados. Gestantes e portadores de marcapasso não podem passar por esta avaliação. Qualquer falha antes ou durante o teste pode levar a um resultado alterado; portanto, a atenção deve ser redobrada.

*IMC: IMC (BMI em inglês) é a sigla para Índice de Massa Corporal. O IMC é um cálculo que leva em consideração o peso corporal e a altura da pessoa. O resultado ajuda a saber se a pessoa tem um peso baixo, normal ou se pelo contrário tem peso a mais.
Os especialistas na matéria relacionam a obesidade com um risco mais elevado de sofrer várias doenças entre elas doenças do coração. É importante notar que não se toma em consideração a massa muscular quando se calcula o Índice de Massa Corporal.
O IMC é calculado dividindo o peso (em kg) pela altura ao quadrado (em metros).

Por exemplo:

- Eu peso 70 kg e messo 1,70 m
- então divide-se o peso em kgs, pela altura ao quadrado;
- 70 : (1.70x1.70) =
- 70 : 2,89 = 24,22

O meu IMC é de 24.22

Para quem não tem paciencia de ficar calculando isso, indico o site:

O Índice de Massa Corporal é reconhecido como padrão internacional para avaliar o grau de obesidade, mas não se aplica a atletas, crianças e mulheres grávidas ou a amamentar.

*Anfepramona: Também conhecido como, o anorexígeno dietilpropiona é o mais utilizado atualmente no Brasil. Atua na liberação da noradrenalina. Provavelmente, a dietilpropiona é o anorexígeno mais potente de uso legal. Este age nos núcleos hipotalâmicos laterais inibindo a fome. Tem potencial de dependência e gera tolerância (são necessárias doses maiores com o passar do tempo para obter o mesmo efeito).

Os efeitos colaterais mais comuns são: boca seca, constipação intestinal, irritabilidade, insônia e mais raramente taquicardia e hipertensão arterial.

*Nova Pirâmide Alimentar: Uma nova pirâmide alimentar foi sugerida pelo Departamento de Nutrição da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard.

Esta nova pirâmide tem como base os exercícios físicos e o controle de peso. Depois, os glúcidos integrais, como pães e arroz, na maioria das refeições, juntamente com óleos vegetais, principalmente o azeite. Acima, estão as verduras, os legumes e as frutas.
Aparecem depois as castanhas, amendoím e leguminosas, como feijão, ervilha e grão-de-bico. Em seguida, peixes, frango e ovos. No topo da pirâmide encontram-se os laticínios ou suplementos de cálcio, e por último, arroz branco, pão branco, batata, massas e doces, juntamente com a carne vermelha e a manteiga. Vitaminas e até uma dose moderada de bebida alcoólica são bem vindas.

*Atividade Física: é definida como um conjunto de ações que um indivíduo ou grupo de pessoas pratica envolvendo gasto de energia e alterações do organismo, por meio de exercícios que envolvam movimentos corporais, com aplicação de uma ou mais aptidões físicas, além de atividades mental e social, de modo que terá como resultados os benefícios à saúde.

Qual a importância da atividade física ao organismo?
Atividade física regular reduz substancialmente o risco de morrer de doença cardíaca coronária e diminui o risco de infarto, câncer de cólon, diabetes e pressão alta. Atividade física também ajuda a controlar o peso corporal; contribui para ossos, articulações e músculos sadios; reduz o índice de quedas em idosos; ajuda a aliviar a dor da artrite; diminui os sintomas de ansiedade e depressão; e está associada a menor número de hospitalizações, visitas médicas e medicação. Ainda mais, a atividade física não precisa ser extenuante para ser benéfica e pessoas de todas as idades obtêm benefícios ao participar regularmente de atividade física moderada por 5 ou mais dias da semana.

*Reeducação Alimentar: É um processo de aprendizagem exercido através de orientações nutricionais específicas onde o paciente conhece e incorpora hábitos alimentares saudáveis.

Por se tratar de um processo de aprendizagem o paciente no final do tratamento torna-se apto à escolher corretamente os alimentos de sua dieta tanto à nível qualitativo quanto quantitativo.
Ela é aplicada as pessoas que já possuem hábitos alimentares inadequados não tendo assim caráter preventivo e sim tratamentoso.


Baseado na matéria feita Por Claudia Soares

E publicada na Revista Seleções Reader’s Digest (www.selecoes.com.br)

E com alguns acréscimos feitos por mim (8D)

sexta-feira, 9 de abril de 2010

O Negrinho do Pastoreio


O Negrinho do Pastoreio

Naquele tempo os campos ainda eram abertos, não havia entre eles nem divisas nem cercas; somente nas volteadas se apanhava a gadaria chucra, e os veados e os avestruzes corriam sem empecilhos.

Era uma vez um estanceiro, que tinha uma ponta de surrões cheios de onças e meias doblas e mais muita prataria; porém era muito cauíla e muito mau, muito.

Não dava pousada a ninguém, não emprestava um cavalo a um andante, no inverno o fogo da sua casa não fazia brasas; as geadas e o minuano podiam entanguir gente, que a sua porta não se abria; no verão a sombra dos seus umbus só abrigava os cachorros; e ninguém de fora bebia água das suas cacimbas.

Mas também quando tinha serviço na estância, niguém vinha de vontade dar-lhe um ajutório; e a campeirada folheira não gostava de conchavar-se com ele, porque o homem só dava para comer um churrasco de tourito magro, farinha grossa e erva caúna e nem um naco de fumo... e tudo, debaixo de tanta somiticaria e choradeira, que parecia que era o seu próprio couro que ele estava lonqueando...

Só para três viventes ele olhava nos olhos: era para o filho, menino cargoso como uma mosca, para um baio cabos negros, que era o seu parelheiro de confiança, e para um escravo, pequeno ainda, muito bonitinho e preto como carvão e a quem todos chamavam somente o “Negrinho”.

A este não deram padrinhos nem nome; por isso o Negrinho se dizia afilhado da Virgem, Senhora Nossa que é a madrinha de quem não a tem.

Todas as madrugadas o negrinho galopeava o parelheiro baio; depois conduzia os avios do chimarrão e à tarde sofria os maus-tratos do menino, que o judiava e se ria.

Um dia, depois de muitas negaças, o estancieiro atou carreira com um seu vizinho. Este queria que a parada fosse para os pobres; o outro que não, que não!, que a parada devia ser do dono do cavalo que ganhasse. E trataram: o tiro era trinta quadras, a parada, mil onças de ouro.

No dia aprazado, na cancha da carreira havia gente como em festa de santo grande.

Entre os dois parelheiros a gauchada não sabia decidir, tão perfeito era e bem lançado cada um dos animais. Do baio era fama que quando corria, corria tanto, que o vento assobiava-lhe nas crinas; tanto, que só se ouvia o barulho mas não se lhe viam as patas baterem no chão... E do mouro era voz que quanto mais cancha, mais agüente, e que desde a largada ele ia ser como um laço que se arrebenta.

As parcerias abriram as guaiacas, e aí no mais já se apostavam aperos contra rebanhos e redomões contra lenços.

_ Pelo baio! Luz e doble!...

_ Pelo mouro! Doble e luz!...

Os corredores fizeram as suas partidas à vontade e depois as obrigadas; e quando foi na última, fizeram ambos a sua senha e se convidaram. E amagando o corpo, de rebenque no ar, largaram, os parelheiros meneando cascos, que parecia uma tormenta...

_ Empate! Empate!, gritavam os aficionados ao longo da cancha por onde passava a parelha veloz, compassada como numa colhera.

_ Valha-me a Virgem Madrinha, Nossa Senhora!, gemia o Negrinho. Se o sete léguas perde, o meu senhor me mata! Hip-hip-hip!...

E baixava o rebenque, cobrindo a marca do baio.

_ Se o corta-vento ganhar é só para os pobres!... retrucava o outro corredor. Hip-hip!

E cerrava as esporas no mouro.

Mas os fletes corriam, compassados como numa colhera. Quando foi na última quadra, o mouro vinha arrematado e o baio vinha aos tirões... mas sempre juntos, sempre emparelhados.

E a duas braças da raia, quase em cima do laço, o baio assentou de sopetão, pôs-se em pé e fez uma cara-volta, de modo que deu ao mouro tempo mais que preciso para passar, ganhando de luz aberta! E o Negrinho, de um pêlo, agarrou-se como um ginetaço.

_ Foi mau jogo!, gritava o estancieiro.

_ Mau jogo!, secundavam os outros da sua parceria.

A gauchada estava dividida no julgamento da carreira; mais de um torena coçou o punho da adaga, mais de um desapresilhou a pistola, mais de um virou as esporas para o peito do pé... Mas o juiz, que era um velho do tempo da guerra de Sepé-Tiarayú, era um juiz macanudo, que já tinha visto muito mundo. Abanando a cabeça branca sentenciou, para todos ouvirem.

_ Foi na lei! A carreira é de parada morta; perdeu o cavalo baio, ganhou o cavalo mouro. Quem perdeu, que pague. Eu perdi cem gateadas; quem as ganhou venha buscá--las. Foi na lei!

Não havia o que alegar. Despeitado e furioso o estancieiro pagou a parada, à vista de todos atirando as mil onças de ouro sobre o poncho do seu contrário, estendido no chão.

E foi um alegrão por aqueles pagos, porque logo o ganhador mandou distribuir tambeiros e leiteiras, côvados de baeta e baguais e deu o resto, de mota, ao pobrerio. Depois as carreiras seguiram com os changueiritos que havia.

O estancieiro retirou-se para sua casa e veio pensando, pensando, calado, em todo o caminho. A cara dele vinha lisa, mas o coração vinha corcoveando como touro de banhado laçado a meia espalda... O trompaço das mil onças tinha-lhe arrebentado a alma.

E conforme apeou-se, da mesma vereda mandou amarrar o Negrinho pelos pulsos a um palanque e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho.

Na madrugada saiu com ele e quando chegou no alto da coxilha falou assim: _ Trinta quadras tinha a cancha da carreira que tu perdeste: trinta dias ficarás aqui pastoreando a minha tropilha de trinta tordilhos negros...

“O baio fica de piquete na soga e tu ficarás de estaca!”

O Negrinho começou a chorar, enquanto os cavalos iam pastando.

Veio o sol, veio o vento, veio a chuva, veio a noite. O negrinho, varado de fome e já sem força nas mãos, enleiou a soga num pulso e deitou-se encostado a um cupim.

Vieram então as corujas e fizeram roda, voando, paradas no ar e todas olhavam-no com os olhos reluzentes, amarelos na escuridão. E uma piou e todas piaram, como rindo-se dele, paradas no ar, sem barulho nas asas.

O Negrinho tremia, de medo... porém de repente pensou na sua madrinha Nossa Senhora e sossegou e dormiu.

E dormiu. Era já tarde da noite, iam passando as estrelas; o Cruzeiro apareceu, subiu e passou; passaram as Três Marias; a Estrela d’alva subiu... Então vieram os guaraxains ladrões e farejaram o Negrinho e cortaram a guasca da soga. O baio sentiu-se solto, rufou a galope, e toda a tropilha com ele, escaramuçando no escuro e desguaritando-se nas canhadas.

O tropel acordou o Negrinho; os guaraxains fugiram, dando berros de escárnio.

Os galos estavam cantando, mas nem o céu nem as barras do dia se enxergava: era a cerração que tapava tudo.

E assim o Negrinho perdeu o pastoreio. E chorou.

O menino maleva foi lá e veio dizer ao pai que os cavalos não estavam. O estancieiro mandou outra vez amarrar o Negrinho pelos pulsos a um palanque e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho.

E quando era já noite fechada ordenou-lhe que fosse campear o perdido. Rengueando, chorando e gemendo, o Negrinho pensou na sua madrinha Nossa Senhora e foi ao oratório da casa, tomou o cotoco de vela acesso em frente da imagem e saiu para o campo.

Por coxilhas, canhadas, nas becas dos lagões, nos paradeiros e nas restingas. por onde o Negrinho ia passando, a vela benta ia pingando cera no chão; e de cada pingo nascia uma nova luz, e já eram tantas que clareavam tudo. O gado ficou deitado, os touros não escarvaram a terra e as manadas chucras não dispararam... Quando os galos estavam cantando, como na véspera, os cavalos relincharam todos juntos. O Negrinho montou no baio e tocou por diante a tropilha, até a coxilha que o seu senhor lhe marcara.

E assim o Negrinho achou o pastoreio. E se riu...

Gemendo, gemendo, gemendo, o Negrinho deitou-se encostado ao cupim e no mesmo instante apagaram-se as luzes todas; e sonhando com a Virgem, sua madrinha, o Negrinho dormiu. E não apareceram nem as corujas agoureiras nem os guaraxains ladrões; porém pior do que os bichos maus, ao clarear o dia veio o menino, filho do estancieiro e enxotou os cavalos, que se dispersaram, disparando campo fora, retouçando e desguaritando-se nas canhadas. O tropel acordou o Negrinho e o menino maleva foi dizer ao seu pai que os cavalos não estavam lá...

E assim o Negrinho perdeu o pastoreio. E chorou...

O estancieiro mandou outra vez amarrar o Negrinho pelos pulsos a um palanque e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho... dar-lhe até ele não mais chorar nem bulir, com as carnes recortadas, o sangue vivo escorrendo do corpo... O Negrinho chamou pela Virgem sua madrinha e Senhora Nossa, deu um suspiro triste, que chorou no ar como uma música, e pareceu que morreu...

E como já era noite e para não gastar a enxada em fazer uma cova, o estancieiro mandou atirar o corpo do Negrinho na panela de um formigueiro, que era para as formigas devorarem-lhe a carne e o sangue e os ossos... E assanhou bem as formigas; e quando elas raivosas, cobriram todo o corpo do Negrinho e começaram a trincá-lo, é que então ele se foi embora sem olhar para trás.

Nessa noite o estancieiro sonhou que ele era, ele mesmo, mil vezes e que tinha mil filhos negrinhos, mil cavalos baios e mil vezes mil onças de ouro... e que tudo isto cabia folgado dentro de um formigueiro pequeno...

Caiu a serenada silenciosa e molhou os pastos, as asas dos pássaros e a casca das frutas.

Passou a noite de Deus e veio a manhã e o sol encoberto.

E três dias houve cerração forte, e três noites o estancieiro teve o mesmo sonho.

A peonada bateu o campo, porém ninguém achou a tropilha e nem o rastro.

Então o senhor foi ao formigueiro, para ver o que restava do corpo do escravo.

Qual não foi o seu grande espanto, quando, chegado perto, viu na boca do formigueiro o Negrinho de pé, com a pele lisa, perfeita, sacudindo de si as formigas que o cobriam ainda!... O Negrinho, de pé, e ali ao lado, o cavalo baio, e ali junto a tropilha dos trinta tordilhos... e fazendo-lhe frente, de guarda ao mesquinho, o estancieiro viu a madrinha dos que não a tem, viu a Virgem, Nossa Senhora, tão serena, pousada na terra, mas mostrando que estava no céu... Quando tal viu, o senhor caiu de joelhos diante do escravo.

E o Negrinho, sarado e risonho, pulando de em pêlo e sem rédeas no baio, chupou o beiço e tocou a tropilha a galope.

E assim o Negrinho pela última vez achou o pastoreio. E não chorou, e nem se riu.

Correu no vizindário a nova do fadário e da triste morte do Negrinho devorado na panela do formigueiro.

Porém logo, de perto e de longe, de todos os rumos do vento, começaram a vir notícias de um caso que parecia milagre novo...

E era, que os pastoreiros e os andantes, os que dormiam sob palhas dos ranchos e os que dormiam na cama das macegas, os chasques que cortavam por atalhos e os tropeiros que vinham pelas estradas, mascates e carreteiros, todos davam notícia _ da mesma hora _ de ter visto passar, como levada em pastoreio, uma tropilha de tordilhos, tocada por um negrinho, gineteando de em pêlo, em um cavalo baio!

Então, muitos acenderam velas e rezaram o Padre-Nosso pela alma do judiado. Daí por diante, quando qualquer cristão perdia uma coisa, o que fosse, pela noite velha o Negrinho campeava e achava, mas só entregava a quem acendesse uma vela, cuja luz ele levava para pagar a do altar de sua madrinha, a Virgem, Nossa Senhora, que o remiu e salvou e dera-lhe uma tropilha, que ele conduz e pastoreia, sem ninguém ver.

Todos os anos, durante três dias, o Negrinho desaparece: está metido em algum formigueiro grande, fazendo visitas às formigas, suas amigas; a sua tropilha esparrama-se; e um aqui, outro por lá, os seus cavalos retouçam nas manadas das estâncias. Mas ao nascer do sol do terceiro dia, o baio relincha perto do seu ginete; o Negrinho monta-o e vai fazer a sua recolhida; é quando nas estâncias acontece a disparada das cavalhadas e a gente olha, olha, e não vê ninguém, nem na ponta, nem na culatra.

Desde então e ainda hoje, conduzindo o seu pastoreio, o Negrinho, sarado e risonho, cruza os campos, corta os macegais, bandeia as restingas, desponta os banhados, vara os arroios, sobe as coxilhas e desce às canhadas.

O Negrinho anda sempre à procura dos objetos perdidos, pondo-os de jeito a serem achados pelos donos, quando estes acendem um coto de vela, cuja luz ele leva para o altar da Virgem, Senhora Nossa, madrinha dos que a não tem.

Quem perder suas prendas no campo, guarde uma esperança; junto de algum moirão ou sob as ramas das árvores, acenda uma vela para o Negrinho do pastoreio e vá lhe dizendo:

_ Foi por aí que eu perdi... Foi por aí que eu perdi!...

Se ele não achar... ninguém mais.





Extraido do Livro:

"Lendas Brasileiras - Câmara Cascudo"

Editora Ediouro Publicações S/A